
Enquanto me detenho nas reflexões - que as minhas terminações nervosas ainda estão em estado de choque e precisam de uma avaliação satisfatória sobre as causas que as fizeram entrar em curto-circuito (curto?,mas não era longo? foi o vinho que duplicou tudo, está visto) para ver se aprendo a lição e a repito – vou-me lembrando de outras cenas bem acompanhadas, particularmente na qualidade dos vinhos.
A memória leva-me para um restaurante lisboeta num frente-a-frente caloroso – lembro-me que a travessa estava pousada em cima de uma pedra aquecida – com o Luís Delgado. Coincidência ou não, parece que há nomes que nos perseguem.
Era a nossa primeira vez, embora o jantar tivesse sido antecedido da primeira prova, que uma mulher não gosta de ser apanhada desprevenida nestas coisas de sabores novos.
Estávamos, então, à mesa e o Delgado sugeriu que fosse eu a provar o vinho que o empregado veio servir com aquele desvelo próprio de quem faz uma perninha ao fim de semana. Quando pego no copo e o levo à boca… olhei assim à altura dos olhos e dei com a cintura do jovem e zás, dei o primeiro gole; subi um pouco os olhos e fixei-me nos dele e só me lembro de ter dito: “pode servir, são lindos!”
O Luís ficou sério, mas não lhe faltava
fair play, como muito bem demonstrou lá em casa, antes do jantarito, quando trouxe a vassourinha da cozinha para apanhar os vidros do
flute que eu tinha acabado de partir com um pé desastrado, no chão, junto ao sofá. Por isso sorriu à minha ousadia e perguntou apenas se os dele ficavam muito atrás. Não, nada disso, os dele eram mais oblíquos, mas de um verde-garrafa-de-tinto muito sugestivo. Os do jovem eram cor de uva-preta e deitavam chamas. Ou era eu que as via, porque o vinho começava a incendiar-me!
Lembro-me também de ter precisado de ir de passeio até àquele lugar onde temos sempre de ir a meio de um jantar para telefonar à amiga mais íntima e dar uma palavrinha de assentimento (naquele caso era; da última vez tinha sido para rir aos molhes com a explicação do formato daquele contacto virtual que, ao tornar-se real, trazia agarrados uns óculos de fundo de garrafa).
E lá fui, devagar, para não tropeçar no degrau de separação das salinhas, sempre com os olhos no moço para ver se o rumo ia certo.
E… não sei o que diga mais…. Era suposto que este escritinho fosse só um entretenimento, enquanto o meu período de reflexão se prolonga até me recordar da verdade dos factos da última noite, mas a verdade é que fiquei a pensar naquela que terá sido a noite mais longa da minha doce vida em que eu e o Delgado, que não fazia, de todo, justiça ao nome, não conseguimos dormir mais do que uma meia hora, quando o sol já se reflectia nas grandes vidraças do jardim de Inverno que se fez Verão e que ainda hoje me ocorre à memória muitas, muitas vezes.