quarta-feira, agosto 30, 2006

Fausta no Museu

Diga-se de passagem que nunca me interessei muito por coisas do passado. Não há nada como um bom presente, digo eu que rapidamente varro da minha vida os fracassos que me vão acontecendo, embora me vá metendo noutros porque nisto de homens não há como a gente ir apalpando o presente sem grandes preocupações com o futuro. É viver um dia de cada vez (expressão que me parte toda pela originalidade) e tentar quebrar as rotinas com as novidades possíveis.
Mas eu falava de passado. Bem… passado lembra-me logo meia dúzia de jovens imberbes a escavarem quadrículas delimitadas por fios, debaixo de um sol abrasador, à espera de acharem uma dúzia de ossos misturados com cacos que depois colam com gesso e expõem nas vitrines do museu local para dizerem que a sua terra está cheia de vestígios. De forma que quando ele me disse que era museólogo (e eu a meter a pata na poça a dizer museologista), tive assim uma visão a cheirar a mofo, toda desfeita em cacos e ferros cheios de verdete, muito neolíticos como mandam as classificações. “Ok, eu vou” disse-lhe eu, “se me dizes que o acervo é de outra natureza vamos lá conhecê-lo”.
Levou-me para umas salas de caliça desfeita onde estariam, segundo o jovem, as obras de arte. Gulosa, afiambrei os olhos e suspirei antevendo o deslumbramento daquela iconografia. Ecoavam na minha cabeça as palavras que ele disse quando caracterizou o seu trabalho “conservar, preservar e divulgar” mas o que eu interiorizei mesmo foi aquilo das “perícias destinadas a apurar o valor histórico dos bens e a sua autenticidade”.
Ó meu amigo, de perita já eu tenho a fama!
Quanto ao valor dos bens, isso era mais com ele, mas a avaliadora estava atenta desde a porta de entrada.
“Ir ao museu hoje não significa ficarmos limitados a observar os objectos expostos…”, dizia ele enquanto me levava para o fundo do edifício.
Mau! Querem ver que o gajo organizou uma festa?
De repente parou e, de olhar meio atordoado pela paixão museológica disse: “Os museus possuem também a capacidade de revelar ao visitante que ele mesmo faz parte do processo histórico. Tu és a História!"
Porra! Chega de merdas, pá! Eu sei que tenho idade para ser tua mãe, mas chamares-me objecto histórico assim dessa maneira é demais. Leva lá o teu acervo e vai pedir colo à conservadora.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Homem armado, procura-se



Esta merda já dura há demasiado tempo. O quê? Ora o quê! Este fastio de tudo o que é homem e mexe.
Já se sentiram assim, já???
Já sentiram que passar por vocês um gajo ou um camião TIR é quase a mesma coisa?
Quase punha as mãos no lume: foi aquele das ciências do oculto, de certeza!
Bem, na verdade já antes andava um pouco enjoada de músculos… acho que exagerei no contorno dos glúteos quando andei por aí armada em esquisita. Quem me mandou a mim ir para o ginásio? Aquilo era paisagem a mais para uma mulher simples como eu e pronto. O dos pesos levou-me à certa, que a conversa descambou para as medidas e eu babei-me toda, mas que querem, deve ser de nascença este sentido de oportunidade que me persegue por toda a parte e me deixa sempre mal servida.
Mas digo-vos: tenho de ser mais selectiva. Madeira de contraplacado deixa sempre como resíduo uma amálgama de lascas secas que nem para acender a lareira…
Preciso de me aconselhar com quem sabe.
Pensei em ir tratar-me ao psicanalista mas receio sair-me um daqueles de mãos esguias e com ar de coisinha deslavada. Não sei o que faria eu no divã com um gajo desses!
Pensei também em ir a uma consulta do Professor Seco, a propósito de um quadradinho de papel que há dias me deixaram no vidro do carro. Mas, confesso, para seca basto eu, neste momento!
Um amigo? Que é que eu posso dizer a um amigo que ele não pense logo que estou a convidá-lo para uma desenferrujadela?

Olha, esta ‘tá boa! Uma desenferrujadela era mesmo o que eu precisava!
Vou à procura de um cavaleiro armado de ferro, mas de ferro bom, como aqueles que se faziam antigamente! Um herói com elmo, porretes, adagas e maças, não esquecendo os chuços, para a batalha ser completa.

É mesmo isso que me está a fazer falta!

P.S. Se for um daqueles bravos romanos sem chuço, desde que traga porrete e maças...

quarta-feira, agosto 02, 2006

As coisas do oculto e as que ficam ocultas



Ele dizia ser mestre do oculto e eu, que me pélo por brincadeiras que metam esconderijos e por poderes sobrenaturais, daqueles que depois desabrocham na sua plenitude mais vertical, cedi em acreditar só para ver se as coisas ocultas tinham mais sabor do que as que são claras como a água e normalmente se desfazem nela como a gelatina dita rija que envolve as cápsulas que a gente às vezes engole.
Ouvi relatos maravilhosos, soube que quando a minha alma foi criada recebi do lado oculto da vida eterna o meu mantra individual que ele disse ter um som que só eu podia ouvir, aguçando-me a curiosidade auditiva e as outras que normalmente vêm associadas. Soube que cada pessoa tem sete corpos, todos unidos num corpo astral onde o desejo se manifesta. Ai deus, se eu com um corpo só, já é o que é... com um desdobrado em sete eu nem me tinha nas pernas só com o desejo de que o momento da projecção astral chegasse depressa.
Ele aconselhou-me calma pois era preciso aguardar o momento em que a energia do universo – acho que era o prana, ou assim – nos bafejasse com um encantamento que eu haveria de sentir como climax. Algo novo, experiência única, coisa nunca antes vivida nem sequer imaginada.
Podem imaginar como uma mulher se sente perante estas conversas ditas em sussurro ao ouvido. É de um gajo se passar, dirão vocês...
E é!
Eu já me derretia com a expectativa do poder da arte marcial interna, o chi, de que ele falava a toda a hora e do orgone, aquela coisa que ele dizia ser uma forma especial de energia omnipotente, responsável por variantes como a cor do céu, a falha da maioria das revoluções politicas, e um bom orgasmo. Não é que me interessassem as falhas, mas se isso tinha a ver com as revoluções, estava-me bem nas tintas, o que me interessava eram as outras valências.
Concentra-te no scry – dizia-me ele, tocando-me ao de leve – pelo que eu desatei a gritar com quanta força tinha, ao que ele parece ter reagido mal porque imediatamente se levantou atirando com a almofada e dizendo que eu lhe tinha provocado uma desconcentração sensorial e que depois daquele meu grito histérico nunca mais teria o privilégio de ver o mantra dele nem sequer no dia do equinócio.
Raios partam as tretas do oculto.
Mestres? Bem me parecia que aquilo do chi e do orgone não passava de engodo! Na volta o mantra dele era insignificante e foi melhor nem o ter experimentado!
Fica uma mulher assim a ougar...
Safa! Não me meto em ocultices tão depressa!