domingo, março 23, 2008

e a culpada sou eu???

O Valter era um serzinho fleumático, emoções à flor da pele, fantasioso nos desejos e facilmente dado a grandes neuras. Bem... das neuras só soube mais tarde porque nos inícios não há nenhum que revele a matriz genética que a gente depois reconhece; o que ele queria exibir era as credenciais convencido que me impressionava com o selo de Bóston. Mas muito rapidamente a finesse descambou em desastre, que um gajo pode vestir-se de oiro mas o cheiro a sovaco não sai com os disfarces.
A verdade é que eu já andava a ficar com azia quando ele se aproximava. O arzinho de caniche acabado de vir do cabeleireiro enfastiava-me e não me agradava aparecer com ele em público. No privado também não, pois aquela fantasia de querer que eu me vestisse de professora de liceu estava a pôr-me os nervos em franja. O homem era passado dos carretos, no mínimo, pois a maneira de me dar conhecimento dos seus anseios diários era um articulado escrito na forma mais institucional possível; havia alturas em que chegava com aqueles olhos de carneiro mal morto e me apresentava uma proposta para logo a seguir me trazer a contraproposta, no mesmo dia. Dizia que uma profissional se queria flexível e de desempenho acima da média. E que tinha de me habituar aos novos paradigmas, que a contabilização era uma ciência e que a profissão precisava do rigor dos números.
Ora estes dizeres davam-me cabo da paciência pois o meu desempenho já tinha sido avaliado por muita gente e nunca o resultado fora insuficiente; então para que precisava ele que eu apresentasse os planos detalhados das cenas? Grelhas, cálculos, estatísticas… Tanta teoria para uma mulher com a minha rodagem não era apenas uma afronta – era uma dúzia de afrontas.
Pior de tudo foi quando comecei a questionar o desempenho dele; aquilo é que foi bramir, o cretino, acusando-me da descida de temperatura, do estado das estradas, do desemprego, da falência do Estado social, da má formação das famílias, da tendencialite da imprensa nacional, da linguagem desbragada dos blogues, do aumento de preço do gasóleo e… imaginem… da derrota do Sporting com o Vitória de Setúbal!

Livra, descarregar em cima de mim só porque me viu de lencinho ao pescoço não vale!

sexta-feira, março 21, 2008

Avaliações e outras decepções


fotografia gentilmente roubada daqui


Antes de qualquer avanço apresentou-me um projecto individual. Eu sei que ainda era cedo para lhe falar em avaliações mas achei aquela antecipação um pouco acelerada.
É claro que li e reli mas aquilo era teórico demais: entre objectivos e competências, tudo ali esquadrinhado em grelhas super desenhadas, a minha atenção desviou-se para o número de sessões. O calendário era generoso.
Cedi à experimentação do modelo.
E assim andámos; os meses corriam e eu, nem bem nem mal servida, estava curiosa com o desfecho, a ver onde aquilo ia parar.
Dizia-se frequentemente indignado; e complicava-me os neurónios aquela sensibilidade à flor da pele, que ele dizia serem os ossos do ofício. Bem… não é que a sensibilidade masculina me repugne, mas ali a coisa assumia a mania da perseguição.
No dia em que o vi de bandeira negra acenderam-se-me as esperanças: íamos ter luta!
Preparei-me o melhor que sabia, dei lustro à minha pele hidratada e expectante e afiambrei-me ao pedaço de homem que ali tinha, esforçando-me para esquecer por momentos os argumentos amargos, mais do que esgrimidos, sem que eu tivesse culpas no cartório.

Espantei-me verdadeiramente quando me disse que estava na hora de eu me ir embora, alegando que estava instrumentalizada e ao serviço das políticas governamentais de avaliação.

Avaliar o seu desempenho, eu?
É claro que estava à espera do momento, mas já não seria a primeira vez que me dispunha a conceder a segunda oportunidade. Depois disso é que lhe daria a nota.
Salvo seja.