quinta-feira, dezembro 22, 2005

Ezequiel vs Motel

Lembrei-me do Ezequiel. É normal que por esta altura da quadra natalícia a gente se lembre dos que nos são queridos. Salvo seja, que o Ezequiel só me ficou na memória pelo oposto. Coitado! Não é bem assim, o senhor era querido com aquele seu jeito de estar sempre aberto às modernices. Dizia ele!
O certo é que o Ezequiel insistiu em levar-me para uma tarde bem passada num colchão de água numa quinta-feira deste Agosto quente em que o país ardia. E ele também. Mas a Sra. Dona Matilde não era muito dessas coisas. Dizia ele.
Combinação feita e às duas da tarde lá estava eu no estacionamento menos três do shopping, que o Ezequiel tremia com o medo de ser visto e ali sempre se estava no submundo. Expressões sempre cautelosas as dele, enquanto eu franzia o sobrolho e evitava replicar para ver onde iam parar as modas.
Dirigiu-se para os arrabaldes e, enquanto conduzia o Bentley preto, exultava naquele desassossego próprio das crianças antes de abrirem o laço do presente. Chegados ao portão accionou precipitadamente o travão e esticou o braço pela janela, gaguejando para a meia figura adelgaçada. Recolheu a chave e o carrito lá deslizou para a garagem individual que dava acesso ao reduto onde a água do colchão se espelhava nas paredes e no tecto. Tive tempo para apreciar os peixes que nadavam por todo o lado, embora paraditos e as folhas das palmeiras que caíam sobre a cama, dando a impressão de estar numa incubadora em forma de aquário. Despida sobre o colchão que oscilava sob a minha impaciência, vi aparecer uma cara atrapalhada onde uns olhos piscavam nervosos. O Ezequiel não parecia saber onde colocar as mãos que hesitavam entre o comando do televisor e o Nokia , enquanto tentava articular sons. Deitei-lhe uns olhos lânguidos, chamei-o com os braços. Homens tímidos nunca foram problema, cedem de olhos fechados, enquanto canalizam para o tacto o sentir dos outros sentidos. E a cama era acolhedora.
…..

Às três da tarde resolvi dizer-lhe que era melhor regressarmos. Não adiantava tentar resolver mentalmente outra meia dúzia de raízes quadradas. O Ezequiel amarfanhara-se numa ansiedade morna, olhava o Rolex que se lhe destacava no pulso, enquanto o Durex perdia relevância. E exibia a Montblanc, lembrando a quantidade de trabalho que tinha ainda de despachar no seu gabinete.
E ali mesmo, sem termos tido tempo sequer de abrir a garrafa de champagne que fizeram deslizar para dentro da caixa colada à porta, eu própria antecipei o despacho. E respondi-lhe de pronto "Voltar na terça-feira? Eu?"

6 comentários:

Eridanus disse...

Bentley? Vermelho?

Fausta Paixão disse...

Têm razão... se mantiver a cor do carro rapidamente vão reconhecer o Ezequiel e não há necessidade... vou mudar para preto.

Fausta Paixão disse...

Ok, sei perder. Retiro o manguito.
Mas não voltei lá com o Ezequiel, que isso fique claro!

Leonor C.. disse...

Ás tantas ainda lhe dava o piripaque! Onde +e que descobris-te esse gajo?!... Os ornamentos (refiro-me ao Bentley e etc.) não são maus mas, quanto ao resto deixa muito a desejar. Eu cá acho bem que não voltes!

Muito me ri eu!!!

mfc disse...

Ezequiel...ora deixa ver! Só me lembro do Dôtô Ezéquiéu da "Gabriela, cravo e canela", mas decerto que não era esse!

Diolindinha disse...

Ó vizinha, até podia dar um chelique ao homem no meio dessa atrapalhação! Se calhar não está habituado ao colchão de água! Fique-se com a Matilde porque não deve ter competência para mais! Ai os homens...