Amor é pretexto para juntar trapinhos e mudar de casa, tornando-se depois oportunidade para certas pessoas ganharem uns trocos a troco de umas cartas na mesa, quando a gente procura saber quem é a gaja que anda a desafiar o nosso homem e o cartomante dá umas pistas de “ora aí está, só pode ser aquela delambida”, podendo também a culpa ser da sogra.
Isto para dizer que para trazer o corpinho em dia não faltam homens disponíveis a qualquer mulher e que para os afectos de mais longa duração pode sempre tentar-se o investimento, mas em mim acaba normalmente por ser a fundo perdido e às vezes nem isso, quando a verba é pequena e não chega aos fundos.
Tentei viver uns dias com o Abrantes. Gosto de homens vestidos de negro, especialmente se forem altos, magros e grisalhos.
O Abrantes juntava a essas características aquela pasta que abria na mesa do café, enquanto fumava, cheia de cadernos e folhas soltas, no que me pareceu haver ali veia de intelectual. Conversa puxa conversa e vim a saber que era professor de Geografia, mesmo ali ao lado. Aliás não foi preciso puxar muito porque o homem tinha um ar tão angustiado que as primeiras conversas eram absolutamente monologadas, tipo queixa-velha e persistente como catarro de velhos sebentos. Só o deixei mudar-se para o meu apartamento porque aquelas costas em V puseram-me os olhos em bico. Além disso o coitado deixaria de fazer todos os dias 90 quilómetros para cada lado. Bem sei que não tenho emenda, mas pareceu-me que desta vez o investimento iria ser compensador; pelo menos comecei a localizar todos os países e respectivas capitais no mapa-mundo que ele afixou na parede da sala. Já não perdia tudo…
Nos dias seguintes fiquei a saber de programas informáticos mal acabados, de computadores obsoletos, da incompetência das empregadas da secretaria, da extensão dos programas, da redução do número de horas lectivas, da legislação que distribuía o serviço docente, da antipatia da D. Odete, que lhe servia o café sempre frio, da colega que andava enrolada com o estagiário, da má educação dos meninos, da guerra dos bonés na sala de aula, dos apoios pedagógicos acrescidos, do artigo trezentos e sete, das histéricas do Conselho Executivo, da alergia ao pó do giz, do David que bateu na Joana e do Conselho de Turma e da Associação de Pais e do telemóvel da Ana Carina que desapareceu no ginásio e da mãe da Ana Carina que vem todas as semanas à escola e vai fazer escândalo até o telemóvel aparecer e dos apoios pedagógicos acrescidos e da luta sindical pela dignificação do ensino…
Foi um erro, eu sei.
No início ainda pensei que era por ser o começo do ano lectivo mas aquela preparação de materiais entrava pela noite dentro e eu, material, nem vê-lo! Depois os testes saltavam para cima do sofá, para o chão da sala, para a casa de banho (não há homem que não leve literatura para a sanita); as minhas estantes encheram-se de manuais escolares (ele não tinha culpa, as editoras mandavam às dúzias), no meu pc instalou-se uma folha de cálculo e o Abrantes entrava-me todos os dias pela casa dentro aos berros, vermelho que nem um tomate, a contar as “cenas” com pormenores obsessivos: a aluna que o mandava para o caralho (e ele em vez de ir ainda tentava explicar à catraia por que é que não ia), o manual que era extenso para o número de aulas (porra, só o manual é que tinha extensão!)
Ontem não aguentei mais. Quando ele entrou pela porta, histérico, a querer fazer de mim a funcionária do sindicato dos professores, disse-lhe:
“Meu querido, como professor não me ensinaste nada; como homem ainda menos; o tal apoio acrescido aqui em casa não se dá por ele; ainda não percebi se te enquadras nos efectivos ou nos que não sabem de que terra são; à noite nem o teu cheiro na cama, de dia essa voz estridente, esse ror de impressos para preencher e a maldita folha de cálculo que já me provoca náuseas” .
E, de pronto, desatei a desalojar a livralhada, que foi porta fora com as centenas de folhas que ameaçavam a minha logística.
“ E mais- disse-lhe eu - agora já tens uma «linha professor», carrega o telemóvel e queixa-te a quem tiver paciência para te ouvir. Safa!”
sábado, setembro 16, 2006
Para louca basto eu!
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24 comentários:
Não sei se já alguma vez o disse, mas cá vai: devias ser escritora. Tens um bom estilo narrativo e excelente imaginação.
o macaco adriano aqui! Fausta, nem sei como ainda tiveste ilusões! Toda a gente sabe que os professores são impossíveis de aturar, que ganham mal, e ainda por cima têm aquelas férias todas... pelo que depois, a ter férias com eles, é 8 semanas em parques de campismo! E então os de português - acho que são os piores - não percebem nada de computadores, demoram dois dias para escrever um teste em word e depois queixam-se da pressão! Não há pachorra! ;)
tens desafio no "não compreendo as mulheres"
;-)
E qual é a piada de não experimentar?
Quem sabe aparece um tão "......" como tu? (desculpa, não consegui encontrar o adjectivo certo!)
LOL
Afinal não era professor de Geografia... era de Matemática! Pois pelo que dizes era um zero à esquerda!!
e mais um "porta fora"! Tu de facto não existes:):) és simplesmente genial!
Uma abordagem que deve suscitar, no mínimo, uma séria reflexão...
Já comecei.
Bjs
lololol:)
linnndo!!!
ao menos ficaste com o mapa-mundi actualizado? deve ser giro atirar dardos e tentar acertar nas capitais que já foram, mas que já não são.
Tens toda a razão. Manda-o para casqa da mãezinha, só ela terá paciência.
axo injusto que nãe queiras culaburar na refroma do inçino. Os prufeçores tãeãe que dar o izemplo e dedicarsse há excola a tempo intairo. o inçino hé um sasserdóssio e como tal o sécço hé só nas férias. e o bom prufeçor cuando leva um extalo dá a ôtra fásse. se eu foçe aceçor do inçino ãe vês de ser da queltura já tinhácabado com esta rabaldaria caí anda.
O gajo perdeu o norte e, ainda por cima, a bússola deve estar avariada! Quanto a mim tem de mudar de orientação, ó vizinha! Já arranjou um ginecologista? Olhe que esses conhecem os pontos todos!
Por casa dos gajos venha ver o que me sucedeu. Isto só comigo...
Bom dia Fausta!
...continuas a escolher uns exeplares muito peculiares. Que triste sina!
Bjico ancho!
os profes nem sempre atingem as expectativas, se calhar é por isso que vão ser avaliados...
Ena... Gostei deste post.
Pergunto-me se às vezes vale mesmo a pena investir...
Beijinhos*
(vou começar a vir cuscar aqui)
Pessoas erradas é muito fácil encontrá-las. Nem com uma candeia acesa de dia isso se torna fácil.
PS: eu penso que já comentei este teu post...
Um beijo.
Querida Fausta, pensava que seria escusado dizer-te mas cá vai: Professores querem-se sempre aos pares... de Literatura para a sala e de Educação Física para a cama. Deixa-te de ilusões minha amiga... dois em um só mesmo o shampôo...
Os professores precisam mesmo de linhas de apoio nos tempos que correm mas caramba, também não nasceste para Madre Teresa de Calcutá. ;)
Ou quando se implantam Linhas Sos Mulher para as ajudar a encontrar homens perfeitos?... ;)
com tão bons conselhos, meninas (só para as meninas, desta vez), a malta podia arranjar a tal linha SOS que a maria_arvore sugere.
Bóra pensar nisso...
Increvemos os gajos, tiramos-lhes as medidas para fazer a ficha e experimentamo-los para deixar a avaliação on line.
Depois as candidatas que se desengomem!!!Ah, e cobramos uns eurozitos pela inscrição.
Bastet trata já dos aspectos institucionais da empresa.
É um prazer ler o que escreve.
Luis Pinto
pois Luis Pinto, tem muito bom gosto. Coisas de prazer é aqui. Deu com o lugar certo.
Mas olhe... não sei se algum dia o vou compreender!
Papéis tratados Fausta, deu-me cá uma trabalheira... vá lá que o gajo do Registo Nacional das Pessoas Colectivas facilitou a coisa quando falei no teu nome ;)
Pois, nas fantasias é que os homens oscilam entre o Geere o DiCaprio o Sean Connery... na realidade, todos cheiramos mal dos pés e damos peidos!
(Até as mulheres, por sinal...)
pois é, mitro.... afinal parace que somos todos do mesmo barro, mesmo!
Mas mesmo assim estou em crer que os homens são piores. ;)
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