sábado, setembro 16, 2006

Para louca basto eu!


Amor é pretexto para juntar trapinhos e mudar de casa, tornando-se depois oportunidade para certas pessoas ganharem uns trocos a troco de umas cartas na mesa, quando a gente procura saber quem é a gaja que anda a desafiar o nosso homem e o cartomante dá umas pistas de “ora aí está, só pode ser aquela delambida”, podendo também a culpa ser da sogra.
Isto para dizer que para trazer o corpinho em dia não faltam homens disponíveis a qualquer mulher e que para os afectos de mais longa duração pode sempre tentar-se o investimento, mas em mim acaba normalmente por ser a fundo perdido e às vezes nem isso, quando a verba é pequena e não chega aos fundos.
Tentei viver uns dias com o Abrantes. Gosto de homens vestidos de negro, especialmente se forem altos, magros e grisalhos.
O Abrantes juntava a essas características aquela pasta que abria na mesa do café, enquanto fumava, cheia de cadernos e folhas soltas, no que me pareceu haver ali veia de intelectual. Conversa puxa conversa e vim a saber que era professor de Geografia, mesmo ali ao lado. Aliás não foi preciso puxar muito porque o homem tinha um ar tão angustiado que as primeiras conversas eram absolutamente monologadas, tipo queixa-velha e persistente como catarro de velhos sebentos. Só o deixei mudar-se para o meu apartamento porque aquelas costas em V puseram-me os olhos em bico. Além disso o coitado deixaria de fazer todos os dias 90 quilómetros para cada lado. Bem sei que não tenho emenda, mas pareceu-me que desta vez o investimento iria ser compensador; pelo menos comecei a localizar todos os países e respectivas capitais no mapa-mundo que ele afixou na parede da sala. Já não perdia tudo…
Nos dias seguintes fiquei a saber de programas informáticos mal acabados, de computadores obsoletos, da incompetência das empregadas da secretaria, da extensão dos programas, da redução do número de horas lectivas, da legislação que distribuía o serviço docente, da antipatia da D. Odete, que lhe servia o café sempre frio, da colega que andava enrolada com o estagiário, da má educação dos meninos, da guerra dos bonés na sala de aula, dos apoios pedagógicos acrescidos, do artigo trezentos e sete, das histéricas do Conselho Executivo, da alergia ao pó do giz, do David que bateu na Joana e do Conselho de Turma e da Associação de Pais e do telemóvel da Ana Carina que desapareceu no ginásio e da mãe da Ana Carina que vem todas as semanas à escola e vai fazer escândalo até o telemóvel aparecer e dos apoios pedagógicos acrescidos e da luta sindical pela dignificação do ensino…
Foi um erro, eu sei.
No início ainda pensei que era por ser o começo do ano lectivo mas aquela preparação de materiais entrava pela noite dentro e eu, material, nem vê-lo! Depois os testes saltavam para cima do sofá, para o chão da sala, para a casa de banho (não há homem que não leve literatura para a sanita); as minhas estantes encheram-se de manuais escolares (ele não tinha culpa, as editoras mandavam às dúzias), no meu pc instalou-se uma folha de cálculo e o Abrantes entrava-me todos os dias pela casa dentro aos berros, vermelho que nem um tomate, a contar as “cenas” com pormenores obsessivos: a aluna que o mandava para o caralho (e ele em vez de ir ainda tentava explicar à catraia por que é que não ia), o manual que era extenso para o número de aulas (porra, só o manual é que tinha extensão!)
Ontem não aguentei mais. Quando ele entrou pela porta, histérico, a querer fazer de mim a funcionária do sindicato dos professores, disse-lhe:
“Meu querido, como professor não me ensinaste nada; como homem ainda menos; o tal apoio acrescido aqui em casa não se dá por ele; ainda não percebi se te enquadras nos efectivos ou nos que não sabem de que terra são; à noite nem o teu cheiro na cama, de dia essa voz estridente, esse ror de impressos para preencher e a maldita folha de cálculo que já me provoca náuseas” .
E, de pronto, desatei a desalojar a livralhada, que foi porta fora com as centenas de folhas que ameaçavam a minha logística.
“ E mais- disse-lhe eu - agora já tens uma «linha professor», carrega o telemóvel e queixa-te a quem tiver paciência para te ouvir. Safa!”

24 comentários:

Mac Adame disse...

Não sei se já alguma vez o disse, mas cá vai: devias ser escritora. Tens um bom estilo narrativo e excelente imaginação.

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

o macaco adriano aqui! Fausta, nem sei como ainda tiveste ilusões! Toda a gente sabe que os professores são impossíveis de aturar, que ganham mal, e ainda por cima têm aquelas férias todas... pelo que depois, a ter férias com eles, é 8 semanas em parques de campismo! E então os de português - acho que são os piores - não percebem nada de computadores, demoram dois dias para escrever um teste em word e depois queixam-se da pressão! Não há pachorra! ;)

Ivar C disse...

tens desafio no "não compreendo as mulheres"

Boop disse...

;-)
E qual é a piada de não experimentar?
Quem sabe aparece um tão "......" como tu? (desculpa, não consegui encontrar o adjectivo certo!)
LOL

mfc disse...

Afinal não era professor de Geografia... era de Matemática! Pois pelo que dizes era um zero à esquerda!!

Anônimo disse...

e mais um "porta fora"! Tu de facto não existes:):) és simplesmente genial!

José Manuel Dias disse...

Uma abordagem que deve suscitar, no mínimo, uma séria reflexão...
Já comecei.
Bjs

wind disse...

lololol:)

Lúcia disse...

linnndo!!!
ao menos ficaste com o mapa-mundi actualizado? deve ser giro atirar dardos e tentar acertar nas capitais que já foram, mas que já não são.

Anônimo disse...

Tens toda a razão. Manda-o para casqa da mãezinha, só ela terá paciência.

jakim disse...

axo injusto que nãe queiras culaburar na refroma do inçino. Os prufeçores tãeãe que dar o izemplo e dedicarsse há excola a tempo intairo. o inçino hé um sasserdóssio e como tal o sécço hé só nas férias. e o bom prufeçor cuando leva um extalo dá a ôtra fásse. se eu foçe aceçor do inçino ãe vês de ser da queltura já tinhácabado com esta rabaldaria caí anda.

Diolindinha disse...

O gajo perdeu o norte e, ainda por cima, a bússola deve estar avariada! Quanto a mim tem de mudar de orientação, ó vizinha! Já arranjou um ginecologista? Olhe que esses conhecem os pontos todos!

Por casa dos gajos venha ver o que me sucedeu. Isto só comigo...

Rosario Andrade disse...

Bom dia Fausta!
...continuas a escolher uns exeplares muito peculiares. Que triste sina!
Bjico ancho!

ivamarle disse...

os profes nem sempre atingem as expectativas, se calhar é por isso que vão ser avaliados...

A Guardadora de Gansos disse...

Ena... Gostei deste post.
Pergunto-me se às vezes vale mesmo a pena investir...
Beijinhos*

(vou começar a vir cuscar aqui)

Nilson Barcelli disse...

Pessoas erradas é muito fácil encontrá-las. Nem com uma candeia acesa de dia isso se torna fácil.

PS: eu penso que já comentei este teu post...

Um beijo.

Bastet disse...

Querida Fausta, pensava que seria escusado dizer-te mas cá vai: Professores querem-se sempre aos pares... de Literatura para a sala e de Educação Física para a cama. Deixa-te de ilusões minha amiga... dois em um só mesmo o shampôo...

Maria Arvore disse...

Os professores precisam mesmo de linhas de apoio nos tempos que correm mas caramba, também não nasceste para Madre Teresa de Calcutá. ;)

Ou quando se implantam Linhas Sos Mulher para as ajudar a encontrar homens perfeitos?... ;)

Fausta Paixão disse...

com tão bons conselhos, meninas (só para as meninas, desta vez), a malta podia arranjar a tal linha SOS que a maria_arvore sugere.
Bóra pensar nisso...
Increvemos os gajos, tiramos-lhes as medidas para fazer a ficha e experimentamo-los para deixar a avaliação on line.
Depois as candidatas que se desengomem!!!Ah, e cobramos uns eurozitos pela inscrição.

Bastet trata já dos aspectos institucionais da empresa.

Anônimo disse...

É um prazer ler o que escreve.
Luis Pinto

Fausta Paixão disse...

pois Luis Pinto, tem muito bom gosto. Coisas de prazer é aqui. Deu com o lugar certo.
Mas olhe... não sei se algum dia o vou compreender!

Bastet disse...

Papéis tratados Fausta, deu-me cá uma trabalheira... vá lá que o gajo do Registo Nacional das Pessoas Colectivas facilitou a coisa quando falei no teu nome ;)

mitro disse...

Pois, nas fantasias é que os homens oscilam entre o Geere o DiCaprio o Sean Connery... na realidade, todos cheiramos mal dos pés e damos peidos!
(Até as mulheres, por sinal...)

Fausta Paixão disse...

pois é, mitro.... afinal parace que somos todos do mesmo barro, mesmo!

Mas mesmo assim estou em crer que os homens são piores. ;)