Eu já devia estar avisada sobre a complexidade da mente artística. Não é que cada homem seja um artista ou contenha em si um artista, que as artes masculinas são assim umas coisas mais ligadas ao bricolage, coisas de encher garagens ou arrecadações com todas as inutilidades que já não cabem em casa. Mas dizia eu que devia estar avisada sobre as artes ditas nobres, uma vez que o pianista e o dançarino tinham arte inata e nem por isso deixaram intacta a minha alma apaixonada. Artifícios da vida! E se a vida não é mais do que um rame-rame feito de rotinas pasmadas, de vez em quando lá cedemos à pitadinha de loucura que um artista traz e transmite ao cinzentinho dos dias.
E assim dizendo, ou assim pensando, deixei o Jorge Rebelo Tinto instalar-se na minha vida. Ele depois disse que fui eu que me instalei na vida dele, ou melhor, na casa dele, mas foi a solução para estarmos perto, que o Jorge não arredava pé da mansão de família cuja sala cheirava a cinza velha, a mofo e a couros furados pelo bicho entranhado há décadas. Dizia que precisava da minha companhia para lhe inspirar uns textos, mas hoje desconfio que a inspiração tinha outras fontes, pois de mim pouco mais queria do que umas refeições a horas certas e umas garrafas de V.Q.P.R.D. para alegrar o fumo das cigarrilhas. E falava de amor, o Jorge. Amor em versos emparelhados, sonetos de rima pobre, repetidas as palavras de paixão em acessos de euforia que lhe agudizavam o tom de voz.
Por amor apliquei cera nos ladrinhos, preto- branco, branco-preto, para que o cheiro a passado o encantasse nas noites de Outono, quando a chuva batia nas vidraças grandes e ele dizia inspirar o cheiro para se inspirar para as letras. Inspirava também eu, farta do tec-tec da máquina de escrever, pela noite dentro, para depois suspirar de pasmo e de abandono.
Por amor desfiz os fios das teias que aprisionavam as histórias às paredes, dizia ele; recuperei a armação do globo, já tombado sob o peso universal das suas escritas famosas e trouxe folhagem dos jardins para encher jarras de cristal antigo.
Foi também por amor que avancei a quantia necessária à edição de autor com que fez sair o último livro, entre choros de homem sensível e beija-mãos lambuzados de gratidão.
Depois disso não avancei mais nada. Nem por amor. A não ser a marcha-atrás que agora faço sempre que um homem me diz que gosta de palavras, a querer já meter-me na frente dos olhos textos adornados de poesia, olhando-me com ar de quem espera elogios e aprovação. Malditos escritores famosos!
F. P.
E assim dizendo, ou assim pensando, deixei o Jorge Rebelo Tinto instalar-se na minha vida. Ele depois disse que fui eu que me instalei na vida dele, ou melhor, na casa dele, mas foi a solução para estarmos perto, que o Jorge não arredava pé da mansão de família cuja sala cheirava a cinza velha, a mofo e a couros furados pelo bicho entranhado há décadas. Dizia que precisava da minha companhia para lhe inspirar uns textos, mas hoje desconfio que a inspiração tinha outras fontes, pois de mim pouco mais queria do que umas refeições a horas certas e umas garrafas de V.Q.P.R.D. para alegrar o fumo das cigarrilhas. E falava de amor, o Jorge. Amor em versos emparelhados, sonetos de rima pobre, repetidas as palavras de paixão em acessos de euforia que lhe agudizavam o tom de voz.
Por amor apliquei cera nos ladrinhos, preto- branco, branco-preto, para que o cheiro a passado o encantasse nas noites de Outono, quando a chuva batia nas vidraças grandes e ele dizia inspirar o cheiro para se inspirar para as letras. Inspirava também eu, farta do tec-tec da máquina de escrever, pela noite dentro, para depois suspirar de pasmo e de abandono.
Por amor desfiz os fios das teias que aprisionavam as histórias às paredes, dizia ele; recuperei a armação do globo, já tombado sob o peso universal das suas escritas famosas e trouxe folhagem dos jardins para encher jarras de cristal antigo.
Foi também por amor que avancei a quantia necessária à edição de autor com que fez sair o último livro, entre choros de homem sensível e beija-mãos lambuzados de gratidão.
Depois disso não avancei mais nada. Nem por amor. A não ser a marcha-atrás que agora faço sempre que um homem me diz que gosta de palavras, a querer já meter-me na frente dos olhos textos adornados de poesia, olhando-me com ar de quem espera elogios e aprovação. Malditos escritores famosos!
F. P.
2 comentários:
:) ah este Jorge R. Tinto! Malditos sejam mesmo!
Muito obrigada pelo teu texto. enfim, falo em nome do Jorge, é calro!
Enviar-te-ei mais textos; cada um deles é parte da minha catarse. Grata pela solidariedade.;)
Fausta Paixão
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