quarta-feira, março 25, 2009

Jorge Rebelo Tinto


Eu já devia estar avisada sobre a complexidade da mente artística. Não é que cada homem seja um artista ou contenha em si um artista, que as artes masculinas são assim umas coisas mais ligadas ao bricolage, coisas de encher garagens ou arrecadações com todas as inutilidades que já não cabem em casa. Mas dizia eu que devia estar avisada sobre as artes ditas nobres, uma vez que o pianista e o dançarino tinham arte inata e nem por isso deixaram intacta a minha alma apaixonada. Artifícios da vida! E se ela não é mais do que um rame-rame feito de rotinas pasmadas, de vez em quando lá cedemos à pitadinha de loucura que um artista traz e transmite ao cinzentinho dos dias.
E assim dizendo, ou assim pensando, deixei o Jorge Rebelo Tinto instalar-se na minha vida. Ele depois disse que fui eu que me instalei na vida dele, ou melhor, na casa dele, mas foi a solução para estarmos perto, que o Jorge não arredava pé da mansão de família cuja sala cheirava a cinza velha, a mofo e a couros furados pelo bicho entranhado há décadas. Dizia que precisava da minha companhia para lhe inspirar uns textos, mas hoje desconfio que a inspiração tinha outras fontes, pois de mim pouco mais queria do que umas refeições a horas certas e umas garrafas de V.Q.P.R.D. para alegrar o fumo das cigarrilhas. E falava de amor, o Jorge. Amor em versos emparelhados, sonetos de rima pobre, repetidas as palavras de paixão em acessos de euforia que lhe agudizavam o tom de voz.
Por amor apliquei cera nos ladrilhos, para que o cheiro a passado o encantasse nas noites de Outono, quando a chuva batia nas vidraças grandes e ele dizia inspirar o cheiro para se inspirar para as letras. Inspirava também eu, farta do tec-tec do teclado, pela noite dentro, para depois suspirar de pasmo e de abandono.
Por amor desfiz os fios das teias que aprisionavam as histórias às paredes, dizia ele; recuperei a armação de um globo antigo, já tombado sob o peso universal das suas escritas famosas e trouxe folhagem dos jardins para encher jarras.
Foi também por amor que avancei a quantia necessária à edição de autor com que fez sair o último livro, entre choros de homem sensível e beija-mãos lambuzados de gratidão.
Depois disso não avancei mais nada. Nem por amor. A não ser a marcha-atrás que agora faço sempre que um homem me diz que gosta de palavras, a querer já meter-me na frente dos olhos textos adornados de poesia, olhando-me com ar de quem espera elogios e aprovação. Malditos escritores famosos!


(texto recuperado lá de trás...)

domingo, março 22, 2009

Mulher resolvida... eu?




Deve ter sido por ouvir muitas vezes à minha mãe que uma mulher atrapalhada é pior que um homem bêbado. Por isso mesmo ou porque os genes já prometiam desembaraço, nunca se me entaramelou a língua. As mãos também sempre bordaram com perfeição mas nunca em pano cru, que as palavras podiam cair em saco roto. Para os paninhos nunca tive jeito e para a cozinha ainda menos; por mim as casas podiam suprimi-la. Mas nem por isso gosto de fast-food; habituei-me, desde cedo, a comer só do que gosto pois o prazer quer-se trabalhado e prolongado, mas que se esmerem os comparsas, a bem do sucesso . Movo-me no lado mais pragmático da vida, depois de satisfeita a minha sede de saber. Aprendo depressa; definam-me a tarefa e apresento resultados. Mas não me peçam que falseie os dados. De falso apenas tenho umas madeixas loiras; coisas do feminino, não tanto por vaidade mas por bem parecer. E para parecer bem, sou solta no vestir e em quase tudo. Se me apertam ponho-me a milhas, não gosto de sufocos. De beijos, sim, mas dos verdadeiros.


domingo, março 15, 2009

Eu é mais emoções. Ela é mais lógica.

«... uma mulher a partir dos 30 devia ter direito a dois homens: um jovem para o "mel" e um "grisalho" para a alma, as discussões filosóficas e para apreciar em conjunto uma refeição que não seja fast-food.» (maria-arvore)

domingo, março 08, 2009

A perfeição



Freud encontraria, algures lá para trás na minha vida, a explicação.
Eu é mais pr’à frente é que é caminho, por isso estou-me nas tintas para a razão das coisas e quando passo pela rua olho para eles como se a vida ganhasse de novo as cores da adolescência.
E as formas, meu deus, as formas: nádegas cheias, duras, abençoadas! Nádegas que gostam de mãos maduras, daquelas que não se esganiçam em ciumeira nem aprisionam à custa de pequeninas chantagens.
Por mim nada espero, a não ser viver aquele momentozinho de novidade e satisfação. Momento soberbo. Mais nada para além do Carpe Diem, que isso do amor é uma coisa de posse e cobrança; coisa demasiado complicada e geradora de sofrimento.
Amor é a sensação de se estar bem, o desejo satisfeito, a tranquilidade depois da loucura. Amor é fogo líquido a derramar-se na pureza do corpo, liso, limpo.
É amor próprio? Se for, que seja para mim a realização e para o outro o gosto. Que o outro se deixe levar e aguarde, primeiro; e que depois dê de si em igual entrega.
Há coisa mais perfeita?
Ele deixou-se levar e aguardou quase tudo. E eu, lambendo o mel do seu corpo, revisitava a juventude passando-a para mim. Era de silêncio a dádiva, não fosse a consciência acordar e pôr-se a cobrar ousadias.
Ah Fausta Paixão! Será possível olhar para o grisalho dos outros cabelos depois disto?

quinta-feira, março 05, 2009

Alô!!!

O Nando era casado. Era e será, que há nós que não se desfazem.
A mim pouco me incomodam os nós dos outros; a paixão quando aparece, com aquela força bruta, não olha a essas coisas e pede caminho livre.
Ora do caminho tratou o Nando. Eu por mim levei a lingerie e o tinto, que o serão, das outras vezes, tinha-se prolongado pela madrugada e a garganta secara.
Não vou falar aqui dos acessórios porque o Nando é um tímido e se o descobrem aqui ainda vai ficar encabulado, mas aviso já que me apetrechei bem apetrechada. Podem imaginar o que nos esperava naquele apartamento de turismo rural, ali para o sul caloroso do país.
O Nando gostava de me aconchegar a ele e ficar assim a mimar-me durante horas; ele era atenções, carinhos, roçadelas, miaus e patinhas no ar; enfim, de tudo um pouco e tudo regado com produtos de qualidade, desde o tinto ao branco.
E assim nos entretivemos durante horas; acho que até nos esquecemos do jantar porque a hora a que toda a cena aconteceu era já tardia e bem tardia!
Fui eu que vi o telemóvel a piscar e dei conta da situação; doutra forma creio que teria metido polícia e tudo! Pois se a polícia já andava no encalço dele, depois da esposa ter falado para os hospitais todos a saber se lhe tinha acontecido alguma coisa!
É que o Nando esquecera-se do telemóvel no silêncio e aquele telefonema da noite com que tranquilizava a esposa dizendo-lhe que estava no quarto do hotel a descansar dos trabalhos do congresso, falhara.
Bem… eu por mim tanto me fazia que ele comunicasse com a senhora ou não, que os hábitos das mulherzinhas controlarem os seus mais-que-tudo nas ausências era coisa que me passava bem ao lado. O mesmo já não posso dizer do desempenho do Nando, que quando se apercebeu que até já os filhos estavam metidos ao barulho, telefonema p’ra cá e telefonema p’ra lá, ficou incapaz de levantar um dedo. Aquilo parecia uma cena de velório, com uns contactos de urgência para uns amigos cúmplices e muitos ais de desespero.
Que é que eu fiz?
Ora, virei-me para o lado e adormeci na paz dos anjos, que uma mulher sabe tirar partido das situações em qualquer circunstância e o descanso traduz-se sempre em mais frescura na manhã seguinte. O Nando que fosse meter-se debaixo das saias da senhora dele, que eu, haveria de encontrar rapidamente um par de calças à minha medida!

segunda-feira, março 02, 2009

O Senhor Silva


Ele tinha até um jeito engraçado de falar, uma coisa assim entre o chefe de secção e o dono de casa. Mas era cinzento dos pés à cabeça e isso aborreceu-me. Até porque o antevi de pantufas e de comando na mão a ressonar num sofá de paninho coçado.
Contudo a agência matrimonial tinha-nos posto no mesmo caminho e eu acreditei que aquilo funcionava, pois tinha pago uma quantia razoável para desperdiçar ali todas as minhas esperanças.
Aquela horazita de conversa enfastiou-me e não hesitei em demonstrar-lhe que eu não era a pessoa indicada. Há que ser diplomata nas alturas certas e não ia dizer-lhe que as mãozinhas sapudas me arrepiavam mais do que a falta de cabelo, que uma mulher não se pode guiar apenas pela contagem dos pêlos.
Enfim, lá fui ao jantarito, mas fiz descambar a conversa pois estava interessada em vencê-lo pelos excessos escabrosos, mas parece que quanto pior me pintava mais ele arregalava os olhos. Homem estranho, ostentando um sentido de humor dito assim em confissão, que quem o tem não o declara, mostra-o.
Às tantas pensei que devia aproveitar. O homem devia ter alguns atributos, não era possível que me tivessem vendido uma mercadoria de tão pouco valor. Fecharia os olhos e aguçaria os sentidos. Tinha bebido o suficiente para que a tontura fosse gostosa e a promessa de uma noite em glória elevava-me o volume da satisfação, visível quer no rubor das faces, quer na dimensão da parte superior de um decote escolhido para a ocasião. Esperava eu que a elevação fosse bilateral e, de preferência, duradoura. Mas… o que se seguiu ainda me aflige a tranquilidade das mãos e o que recordo é a pele arroxeada e morta de uma coisa fria e sem uso. Não estranhem a frieza com que o digo. Ali até a saliva era fria. E nem umas mãos calorosas e um corpo arqueando-se em malabarismos fizeram o milagre da ressuscitação.
Não sei se ficou vexado. O que me pareceu, na realidade, é que aquilo devia ser habitual e que mais um fracasso não lhe acrescentara nem diminuíra nada.
Fica uma mulher a babar-se de excitação, antevendo horas de trabalho duro até à vitória final e depois tem de bater assim em retirada como se cada minuto a mais fosse um ultraje à sua honra de fêmea.

Ó senhor Silva, bem sei que estamos no era do digital mas a uma mulher ainda lhe sabem bem as tecnologias antigas!