terça-feira, setembro 26, 2006

Não sou mulher para adiar decisões

Ele tem um não sei quê... um pormenor, uma graça inata... qualquer coisa que me atrai à distância.

Está decidido: vou a Espanha.

Hasta la vista...

sábado, setembro 16, 2006

Para louca basto eu!


Amor é pretexto para juntar trapinhos e mudar de casa, tornando-se depois oportunidade para certas pessoas ganharem uns trocos a troco de umas cartas na mesa, quando a gente procura saber quem é a gaja que anda a desafiar o nosso homem e o cartomante dá umas pistas de “ora aí está, só pode ser aquela delambida”, podendo também a culpa ser da sogra.
Isto para dizer que para trazer o corpinho em dia não faltam homens disponíveis a qualquer mulher e que para os afectos de mais longa duração pode sempre tentar-se o investimento, mas em mim acaba normalmente por ser a fundo perdido e às vezes nem isso, quando a verba é pequena e não chega aos fundos.
Tentei viver uns dias com o Abrantes. Gosto de homens vestidos de negro, especialmente se forem altos, magros e grisalhos.
O Abrantes juntava a essas características aquela pasta que abria na mesa do café, enquanto fumava, cheia de cadernos e folhas soltas, no que me pareceu haver ali veia de intelectual. Conversa puxa conversa e vim a saber que era professor de Geografia, mesmo ali ao lado. Aliás não foi preciso puxar muito porque o homem tinha um ar tão angustiado que as primeiras conversas eram absolutamente monologadas, tipo queixa-velha e persistente como catarro de velhos sebentos. Só o deixei mudar-se para o meu apartamento porque aquelas costas em V puseram-me os olhos em bico. Além disso o coitado deixaria de fazer todos os dias 90 quilómetros para cada lado. Bem sei que não tenho emenda, mas pareceu-me que desta vez o investimento iria ser compensador; pelo menos comecei a localizar todos os países e respectivas capitais no mapa-mundo que ele afixou na parede da sala. Já não perdia tudo…
Nos dias seguintes fiquei a saber de programas informáticos mal acabados, de computadores obsoletos, da incompetência das empregadas da secretaria, da extensão dos programas, da redução do número de horas lectivas, da legislação que distribuía o serviço docente, da antipatia da D. Odete, que lhe servia o café sempre frio, da colega que andava enrolada com o estagiário, da má educação dos meninos, da guerra dos bonés na sala de aula, dos apoios pedagógicos acrescidos, do artigo trezentos e sete, das histéricas do Conselho Executivo, da alergia ao pó do giz, do David que bateu na Joana e do Conselho de Turma e da Associação de Pais e do telemóvel da Ana Carina que desapareceu no ginásio e da mãe da Ana Carina que vem todas as semanas à escola e vai fazer escândalo até o telemóvel aparecer e dos apoios pedagógicos acrescidos e da luta sindical pela dignificação do ensino…
Foi um erro, eu sei.
No início ainda pensei que era por ser o começo do ano lectivo mas aquela preparação de materiais entrava pela noite dentro e eu, material, nem vê-lo! Depois os testes saltavam para cima do sofá, para o chão da sala, para a casa de banho (não há homem que não leve literatura para a sanita); as minhas estantes encheram-se de manuais escolares (ele não tinha culpa, as editoras mandavam às dúzias), no meu pc instalou-se uma folha de cálculo e o Abrantes entrava-me todos os dias pela casa dentro aos berros, vermelho que nem um tomate, a contar as “cenas” com pormenores obsessivos: a aluna que o mandava para o caralho (e ele em vez de ir ainda tentava explicar à catraia por que é que não ia), o manual que era extenso para o número de aulas (porra, só o manual é que tinha extensão!)
Ontem não aguentei mais. Quando ele entrou pela porta, histérico, a querer fazer de mim a funcionária do sindicato dos professores, disse-lhe:
“Meu querido, como professor não me ensinaste nada; como homem ainda menos; o tal apoio acrescido aqui em casa não se dá por ele; ainda não percebi se te enquadras nos efectivos ou nos que não sabem de que terra são; à noite nem o teu cheiro na cama, de dia essa voz estridente, esse ror de impressos para preencher e a maldita folha de cálculo que já me provoca náuseas” .
E, de pronto, desatei a desalojar a livralhada, que foi porta fora com as centenas de folhas que ameaçavam a minha logística.
“ E mais- disse-lhe eu - agora já tens uma «linha professor», carrega o telemóvel e queixa-te a quem tiver paciência para te ouvir. Safa!”

terça-feira, setembro 12, 2006

Fitas...

A conversa agradava-me. Sempre fui amante de artes e quando apanho pela frente um criativo o meu ritmo cardíaco acelera. De banalidades estamos todos fartos e eu então, com estas dificuldades de compreensão que vocês tão bem me conhecem, já não sei como reagir perante aquela visão masculina, aguçada em todos os ângulos menos no que mais interessa. Tudo da mesma cepa!
Foi por isso que despertei da minha letargia enfadonha quando ele me falou de ângulos: ângulos de projecção que levassem a cabeça à fricção para que, com movimentos suaves, não se danificasse a ponta preta.
- Ponta preta?
- Sim, a ponta da película. Temos de a conservar bem para que possamos depois fazer a dublagem.
Já estão a ver a coisa, não é? Ele, que era perdido por imagens, tinha-me convencido a participar numa realização completa. Ainda discutimos sobre a questão da metragem. Ele preferia que fosse curta e eu… bem, eu nessa não embarquei e disse-lhe com toda a determinação que ou era longa ou eu não fazia parte do elenco e ele tinha de fazer um casting para escolher outra protagonista.
Ora um criador que se preze não deixa fugir o momento e pensar num casting era coisa para demoras; nada que agradasse ao gajo encalhado que me tinha calhado na rifa aturar por estes dias. Enfim… a gente anda cá é para nos aconchegarmos uns aos outros e pronto, lá estava eu mais uma vez a fazer de mãe, que os homens, coitados, transpiram orfandade por todos os poros. Este então era mais baba e ranho, vá lá a gente entender os homens!
Criativo já eu sabia que ele era e, por mais abatido que um gajo fique quando se vê nas lonas, numa situação destas não se deixa passar por artolas. E se o resultado fosse como eu esperava ainda havíamos de nos aconchegar mais depois de renovados os recursos técnicos – só a sonoplastia era coisa para nos pôr os cabelos em pé; para não falar das locações, da cenografia e dos equipamentos. Esses eram de tal ordem que consegui antever uma montagem final cheia de qualidade.
- Liga aí o potenciómetro! - Pediu ele.
- Eu????
- Sim, eu dirijo a execução e tu colaboras.
- Mas não era isso que estava no roteiro, pois não?
- Isso o quê?
- Isso de dirigir. Eu sei que és um criador mas ainda ontem te queixavas da falta de uma lâmpada excitadora!
- Ó minha linda, o cinema é luz e luz é como que uma manifestação divina, é como penetrar num oráculo, num templo escuro onde se presta culto. É como… é como… é como dar à luz!
Foi aí que se fez luz no meu entendimento. Das duas uma: ou ficava ali de perna aberta até o menino satisfazer o seu fetiche ou dava um piparote na cabeça giroscópica, que ele era obrigado a fazer ali logo um “change-over” para se pôr na linha.
- Ora bem, disse eu, vamos lá rebobinar com calma senão pego na lâmpada de tungsténio, aponto à lente anamórfica e faço-te uma perfuração na película.