terça-feira, janeiro 31, 2006

os trapinhos


... o que vale é que uma mulher vai aos saldos, compra uns trapinhos e sente logo o gelo a quebar...

domingo, janeiro 29, 2006

Gelo...


Em certos dias deitava a minha cabeça no seu colo e arrefecia com ele, sem que a comunhão dos corpos acrescentasse temperatura ao frio das noites. Uma estátua de olhos brilhantes. Vidro embutido em pedra.

E é sempre disso que me recordo em dias assim...

sábado, janeiro 28, 2006

Basta um clique...


Minhas amigas e (especialmente) meus amigos

É sempre com agrado que descobrimos homens interessados no saber. Neste caso... no saber anatómico.
Um saber que se pode usar e do qual se pode abusar sem riscos.

Depois de visitarem as meditassões do jakim garanto-vos que nunca mais serão os mesmos.
É certo que a sua função de aceçor do purfeçor lhe traz um saber acrescido. Pelo menos no que respeita à localização do clique tóriz...

quarta-feira, janeiro 25, 2006

A medida dos pés

Há dias em que uma mulher precisa mesmo de fechar os olhos e fingir que é noite.
Daquelas noites frias em que os pés precisam de aconchego, não havendo botija que chegue para elevar a temperatura porque o calorzinho de uma botija começa por ser forte mas rapidamente se perde, sem fonte que o sustente.
Vêm-me sempre à ideia os pés do Emanuel. Não é que me fiquem recordações dos pés dos meus companheiros de cama, que os terminais são coisas de importância, sim, mas não é preciso descer tão baixo.
Naquele caso não fui eu que desci. Aconteceu por acaso, embora a intenção me estivesse fisgada nos olhos, pelo menos para confirmar aquele “diz-se que”.
Uma relação proporcional de tamanhos entre os pés e outros termos de comparação, dizia o Emanuel ao grupo de mulheres que gostavam de o ouvir dizer larachas, ali à mesa do café, nos intervalos do trabalhito. Sempre o mesmo, este Emanuel, rodeado de mulherio e de chocalho na boca a fingir que impressionava.
Coitado… teve o azar de trazer o assunto à conversa e depois ficou sem saber como dizer que não quando o convidei para uma confirmação empírica. O outro também dizia ser o nariz mais usado para essas analogias, mas tinha um narizito pequeno e bem feito. Estava tão à vista a evidência que a cobiça não se impôs.
Bem, a verdade é que assim que o Emanuel se pôs a jeito o meu olhar subiu, a partir dos pés, devagarinho, ante a perspectiva fantástica de uma noite a fazer-se dia, já com a promessa, pensava eu, de um Inverno aconchegado. Um ou mais, que vale a pena reter a presa se a carne é saborosa.
Resultados?
Apenas a confirmação de uma matemática pouco desenvolvida naquela cabeça oca.
Por que será que os homens que mais falam são os menos interessantes?

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Recordando jardins de Inverno...

Enquanto me detenho nas reflexões - que as minhas terminações nervosas ainda estão em estado de choque e precisam de uma avaliação satisfatória sobre as causas que as fizeram entrar em curto-circuito (curto?,mas não era longo? foi o vinho que duplicou tudo, está visto) para ver se aprendo a lição e a repito – vou-me lembrando de outras cenas bem acompanhadas, particularmente na qualidade dos vinhos.
A memória leva-me para um restaurante lisboeta num frente-a-frente caloroso – lembro-me que a travessa estava pousada em cima de uma pedra aquecida – com o Luís Delgado. Coincidência ou não, parece que há nomes que nos perseguem.
Era a nossa primeira vez, embora o jantar tivesse sido antecedido da primeira prova, que uma mulher não gosta de ser apanhada desprevenida nestas coisas de sabores novos.
Estávamos, então, à mesa e o Delgado sugeriu que fosse eu a provar o vinho que o empregado veio servir com aquele desvelo próprio de quem faz uma perninha ao fim de semana. Quando pego no copo e o levo à boca… olhei assim à altura dos olhos e dei com a cintura do jovem e zás, dei o primeiro gole; subi um pouco os olhos e fixei-me nos dele e só me lembro de ter dito: “pode servir, são lindos!”
O Luís ficou sério, mas não lhe faltava fair play, como muito bem demonstrou lá em casa, antes do jantarito, quando trouxe a vassourinha da cozinha para apanhar os vidros do flute que eu tinha acabado de partir com um pé desastrado, no chão, junto ao sofá. Por isso sorriu à minha ousadia e perguntou apenas se os dele ficavam muito atrás. Não, nada disso, os dele eram mais oblíquos, mas de um verde-garrafa-de-tinto muito sugestivo. Os do jovem eram cor de uva-preta e deitavam chamas. Ou era eu que as via, porque o vinho começava a incendiar-me!
Lembro-me também de ter precisado de ir de passeio até àquele lugar onde temos sempre de ir a meio de um jantar para telefonar à amiga mais íntima e dar uma palavrinha de assentimento (naquele caso era; da última vez tinha sido para rir aos molhes com a explicação do formato daquele contacto virtual que, ao tornar-se real, trazia agarrados uns óculos de fundo de garrafa).
E lá fui, devagar, para não tropeçar no degrau de separação das salinhas, sempre com os olhos no moço para ver se o rumo ia certo.
E… não sei o que diga mais…. Era suposto que este escritinho fosse só um entretenimento, enquanto o meu período de reflexão se prolonga até me recordar da verdade dos factos da última noite, mas a verdade é que fiquei a pensar naquela que terá sido a noite mais longa da minha doce vida em que eu e o Delgado, que não fazia, de todo, justiça ao nome, não conseguimos dormir mais do que uma meia hora, quando o sol já se reflectia nas grandes vidraças do jardim de Inverno que se fez Verão e que ainda hoje me ocorre à memória muitas, muitas vezes.

A dúvida...


...terá sido do vinho?

sábado, janeiro 21, 2006

A longa metragem

Eu sabia que bastava um sábado mais ensolarado para a disposição melhorar.
Confesso que já estava farta de estar naquela posição a babar a almofada a fazer olhos de carneiro mal morto.
Bem... mas o que eu venho aqui fazer hoje é falar do Sol. Que o Sol é saudável já todos sabemos; que tem um calor aconchegante, também. Mas que chega a brilhar de noite, aqui a 38º42´N e a 9º11´W é uma coisa que eu fiquei a saber ontem. E digo-vos que o brilho de um Sol nocturno é mil vezes mais brilhante que qualquer outro, sobretudo quando aquilo que aos olhos é dado apreciar antes de outras provas é de tal maneira ofuscante que temos vontade de lhe chamar astro-rei.
Querem que conte?
Jantar à luz das velas, brasas espalhadas por fora e por dentro, que a noite arrefeceu húmida, embora a temperatura se elevasse por si, rótulo engarrafado há tempo suficiente para sentir que o maduro que o provou era de qualidade, empregados solícitos e bem feitos, que os meus olhos não se ofuscaram com o álcool, e, enfim, um prato grande e colorido, sendo isso o menos importante da festa, uma vez que outras coisas igualmente grandes ou de maior dimensão estavam para vir. Ingredientes de começo de noite. Com outros sabores à vista, como adiante vos direi.
Não sei como descrever o envolvimento. Sou normalmente mulher de emoções vivas e espontâneas e é certo que me venho a sair mal com isso desde há muito. Contudo o meu coração não desarma nesta luta pelo encontro daquele homem que tem tudo para encher as minhas medidas.
E não é que o jantarito foi seguido de uma conversa mesmo à medida?
Os meus olhos, treinados no charme depois destes dias deitada a ouvir Ramazzotti e a minha voz, adoçada pelo aroma do tinto, pediam sobremesa.
E o Luís Maduro, bem bebido mas com a sobriedade que caracteriza os bem nascidos, sugeriu-me que víssemos um filme em casa dele.
Eu podia lá dizer que não! Pois se nem sabia já onde tinha estacionado o carro! Por isso estacionei num sofá preto de qualidade e aconchego. A sala estava aquecida e quando me enterrei no cheiro a couro quente senti que se me agravou a tontura. Se não agisse poderia desfalecer. Passei, pois, à acção, qual protagonista que não se quer secundária. E outra tontura, maior ainda, veio logo de seguida, que o Maduro já tinha visto o filme e fez-me o relato completo dos preliminares antes de me deslumbrar com o final mais emocionante a que assisti nos últimos tempos.
E foi longo o filme.
Nada das curtas metragens com que outros mais verdes no desempenho me têm brindado e que muito me desligam do gosto pelas fitas.

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Ando assim...


Mulheres como eu não desaparecem de cena.
Só que ... nunca se sentiram assim?

Pois é assim que eu estou. E enquanto este estado durar não consigo escrever uma palavra.

E de quem é a culpa???

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Vendedores de cuecas precisam-se ou hoje estou sem sentido de humor

Às vezes apetece-me furar-lhes os olhos, abanar-lhes os ombros metidos naqueles casacos que nunca vestiram antes e que brilham de presunção pouco aprumada, jogar-lhes à cara os discursos que a sua memória curta enfiou em pelo menos três sessões de palavra-atrás-de-palavra e mandá-los ir para a escola aprender a conjugar os verbos na segunda pessoa do singular do pretérito perfeito.
Quando me aparecem à porta posso gerir a situação à minha maneira ou simplesmente não abrir e eles desistem.
Contudo, no local de trabalho não se supõe que apareçam, por isso não convém fazer cenas; e lá vem o politicamente correcto “não, obrigada, não quero”.
Desta vez interiorizei bem a correcção ou os bons princípios e quando me perguntou pela segunda vez se queria comprar a caneta com auriculares que me dava música enquanto escrevia – estava eu no intervalo dos afazeres e procurava tomar um café e ponderar a paciência para aguentar a hora seguinte, que não é fácil estar à beira de sete ataques de nervos e saber que o que esperam de nós é um sorriso aberto e muita calma –, puxei dos meus nervos de aço e perguntei sorridente: “e cuecas de fio dental, tem?”
O rapaz olhou para o fato do outro, porque o rubor da face não lhe permitia levantar os olhos, e os dois olharam para mim incrédulos, devolvendo ao saco as embalagens tipo made in Taiwan mas a puxar para o fino. E assim consegui virar-lhes as costas e rir-me de mim, que outra coisa não me satisfaria mais naquele momento.
Livrei-me pois de ouvir ainda as vantagens de comprar um aparelho para medir a tensão arterial, experiência feita ali mesmo para ver o estado da dita, uma almofada vibradora para massajar a cervical ou a mala-de-chaves-de-parafusos-tipo-oferta-da-semana-do-Lidl, que eles exibiam em cima da mesa onde os meus papéis gemiam de afronta.

domingo, janeiro 08, 2006

Nicolau, o Matemático

Uma mulher não deve meter-se com homens que vivem de números. A não ser que sejam cifrões, mas isso é outra conversa.
Imaginem que desta vez me apareceu um Nicolau na rifa. Curiosa como sou não resisti ao charme do conferencista e no fim fui pedir-lhe um autógrafo. É claro que me fiz entendida na matemática e falei-lhe na admiração que sinto pelo Evaristo Galois por causa das tentativas do jovem para resolver as equações do quinto grau. Palavra puxa palavra e o Nicolau disse que sim, que era possível e que a solução podia ser a teoria dos grupos para achar o xis da quinta. É claro que quando ele me falou na quinta eu nem queria acreditar e pensei “já estás marcado, Nico, deves ser melhor que o Evaristo” . É que esse achava que só conseguia obter a solução para o xis a partir dos coeficientes. Ora grupos eficientes nessas partes eu não queria de todo!
Mas não quero dispersar-me. Nessa noite levei o Nicolau para o requinte de uma cama curva fazendo justiça ao assunto da conferência. No mínimo o que poderia acontecer era o Nicolau achar aquele tal ponto fora da recta e a partir daí – esperança minha – entraríamos no mundo da geometria imaginária pois descobrindo esse ponto especial, como bem sabem as minhas leitoras (os leitores dizem que sabem, mas são pouco persistentes), é possível traçar muito mais do que uma paralela. Paralelas múltiplas a partir de um único ponto. Já imaginaram?
Nisto eu apenas esperava que ele seguisse a intuição de Lobatchevsy, segundo o que retive do conteúdo da conversa do conferencista quando falava no auditório e eu o escutava excitadíssima na primeira fila.
Bem... os homens que muito pensam acabam por muito falar e estando os dois deitados no espaço curvo... o que aconteceu então?
Tudo, mas tudo a curvar-se.
E digo-vos: nem o Euclides, com os seus axiomas das paralelas simples teria tido um desempenho tão frouxo. Ainda evoquei Gauss que também era de inovações curvas, mas com mais sucesso por serem curvas que só descem depois de uma subida significativa. Porém o Nicolau terá entrado exactamente num espaço muito distante do meu. A curva de Gauss que ele me mostrou tinha uma média relativamente baixa e um desvio padrão elevado; a variância digamos que não era significativa e o resultado foi mais uma deflação na minha estatística.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Noite misteriosa

Estou profundamente atordoada.
o meu relatório pode ter saído confuso, mas podem crer que depois de Exercícios Espirituais relatados no dela as coisas poderão ter mudado muito...

Do que me lembro melhor é da contemplação da imagem do espécimen dito divino que ela publicou lá na salinha onde se chutaram trezentos e tal comentários esta madrugada. Sem sinais visíveis de divindade no deus exposto e à falta dos amigos do Adriano - esses sim de fazer crescer água na boca – decidimos que nos encontraríamos as duas para comprovar se seria moda ou não essa coisa de percentagens na capa de jornais. Seríamos nós meninas de fazer engrossar as estatísticas ou outras coisas igualmente mediáticas? Pelo sim pelo não montei-me na minha vassoura de cano grosso e fui a caminho do mundo misterioso da cenestesia. (uma vassoura sempre serve para alguma coisa...)
O que vão ler não se aproxima das reflexões filosóficas da Diva, companheira de escritas famosas mas também de certos desconsolos. Sou eu mais de coisas materiais do que espirituais, logo, não foi para mim muito fácil deitar-me naquela cama onde pairavam dezenas de outros espíritos em manifesta promiscuidade. Mais habituada a coisas prosaicas achei que iria ali estar para o que desse e viesse.
Ela diz que viu coisas, pernas a colarem-se a pernas (eu diria a empernarem), penetrações de corpo e bandeiras harmoniosamente espetadas; fala-me de cenestesias, sensações vagas internas ultranormais… e essas coisas que as mulheres pensadoras sabem dizer.
Eu por mim lembro-me daquela luz ofuscante quando ela me mostrou o sinal no mamilo e a seguir só me lembro do Santo Inácio me perguntar se era mais vontade ou mais sentimento e se o achava mais deus ou mais macaco; não sei se se referia à barba ou àquela coisa de “disse deus ao homem: não te fiz celestial nem terreno, mortal nem imortal; poderás tu próprio, pela tua vontade, tornar-te bruto irracional ou alcançar a perfeição”.
Como um santo de bruto não tem nada, pedi-lhe para me mostrar a perfeição. E ele deve ter feito algo de muito perfeito porque foi nessa altura que senti alguma coisa penetrar o meu corpo. Ora se ela diz que nós nos fundimos e eu vi claramente visto que o Santo Inácio acordou todo amarfanhado, terá sido uma tripla fusão? (diria trisão). Terão sido as courgettes que levei escondidas na palha da vassourinha para o caso de a coisa não correr bem?
Depois fiquei ainda mais baralhada com o ressonar. Não percebi se era o Finúrias ou o Manel. Ela diz que os viu mas eu (que não sou nada sem a bola de cristal que atirei ao mariconço), estava ofuscada com a luz vermelha que o outro projectou em mim e acho que não vi nada a não ser este foco que ainda me está a toldar o raciocínio.
Alguém me pode explicar o que se passou, fazendo o cruzamento dos dois relatórios?

...a recuperar!



... ainda não estou em mim.
Preciso de mais umas horas para conseguir ver a luz do dia, tal é o efeito da fusão nocturna.
Foi coisa única!

terça-feira, janeiro 03, 2006

O acidente do Valentim Matias

Devolvi o anel ao Vasco Nabo. Aliás cedi imediatamente e nem quis ouvir mais nada depois da dureza do “não me digas que o perdestes?”.
Respondi-lhe em graves: “não viste que o deixei em cima da cama?”.
Não costumo guardar más recordações. A vidinha tem muitas curvas e o Valentim Matias tinha o joelho bem caloroso quando o encostou ao meu por baixo da mesa. E, na verdade, tanto quanto lhe ouvi as falas, nada a apontar. Só um ou outro som distorcido pelo sibilar dos ésses, mas também eu andava a falhar em alguns pormenores, por isso estava tudo a condizer.
Ora bem, fomos aos fados. Era outra vez uma mesa larga e farta, cheia de gente, que tudo o que é de prazer faz-se em conjunto.
Ao afrouxar das luzes ele beliscava-me e eu tentava manter a compostura, que a situação era de respeito.
Ao intervalo dizia a Silvina: “ainda me falta um fadista no meu currículo”, mas um fadista sempre é um fadista e ela era rapariga espinhosa. Aconselhei-a a procurar antes um toureiro.
Mas eu conto. O Valentim deve ter-se enternecido com o xaile da madura, porque ficou a babar-se e a dizer-me que gostava que lhe vendassem os olhos com écharpes de seda.
E pronto, daí a nada estávamos no quarto a brincar à cabra-cega. De braços esticados, o Matias falava-me em seguir a intuição e dizia que trocava tudo pelo sentido do tacto. Às tantas sentei-me num canto a ver homem a andar à roda.
Não sei se foi da tontura ou do tinto propriamente dito, o que é certo é que o pobre estava com dificuldades em manter-se de pé e quando as pontas da écharpe se prenderam no puxador do roupeiro, o Valentim deslizou no tapete e antes de cair ainda deu uma cabeçada no tampo da mesinha de cabeceira.
Bem, poupo-vos os pormenores ensanguentados. Só vos digo que dali até ao hospital Amadora-Sintra ainda levámos uma meia hora. Mas o pior não foi isso.
Também me entendi com a enfermeira de serviço pedindo-lhe discrição. É que tive a sorte de dar de caras com a Sónia Susana, filhota da Josefa Félix que era minha amiga de longa data. Lá lhe contei o sucedido e ela a dizer que ficasse descansada que são coisas que acontecem, que era bem feito, que ia suturar o senhor sem lhe fixar o rosto, que o esqueceria logo de seguida, etc.
O pior foi mesmo quando o Matias entrou na sala e me disse baixinho “'tou feito! é a minha nora!”

domingo, janeiro 01, 2006

Jantar de negócios

Disse-me que o jantar ia ser em grande e que eu devia ir muito bonita. Isso não seria problema, disse eu, mas o Vasco replicou que caprichasse no decote, já que os atributos devem sempre saltar à vista.
Ora bem. Não só fiz gala dos meus atributos como ainda fui generosa noutros pormenores que agora não vêm ao caso.
Sentados à mesa, a coisa prometia. Pelo menos a diversão estava à vista com as histórias a choverem de todos os lados. Impressionavam-me os relatos que eles faziam da caça às perdizes e a outras galinholas, embora me tocasse mais a caça às rolas por ser observadora e não me escaparem facilmente os atributos postiços das presentes. Os empresários tratam-se bem, pensava eu, enquanto esticava os dedos para olhar de novo o brilho que adornava o meu anelar. E o Valentim Matias, acompanhado por uma morena musculada, emproava-se todo a contar a cena do javali, enquanto encostava o joelho ao meu por baixo da mesa.
Falava-se de dinheiro - compras, vendas, trocas, impressos e formulários, notários e secretarias – e de carros. O Vasco só pensava no Lisboa-Dakar, mas faltava-lhe o co-piloto. Tinha de sair dali a equipa, dizia ele.
Às tantas enfastiei-me. Não me soava bem a exibição verbal de tantos negócios, sendo que todos eles ostentavam a sua própria como sendo a mais potente e acabada viatura da criação. Ora, de subsídios sabia eu, que já tivera amigos subsidiados em quantidade suficiente, mas para jipes?!
Às tantas perguntei mesmo, em voz melada “mas Vasco, esbanjar assim esses fundos?”;
“Não te preocupes, fofa, tu e estas meninas ainda hadem gozar de prazer no SPA que montei no Monte de Santa Quitéria” - e continuava: “as estufas já lá estão armadas, que aquilo é digno de se ver; só para plástico foram umas milenas; agora é plantar os tomateiros e deixar que o chão deia frutos; e se não der... quero lá saber!”
Arrepiou-me a perspectiva... mas o pior foi a fala com que o Vasco Nabo rematou a noite, quando pagou a conta: “não tênhamos ilusões: os fundos cobrem isto e muito mais...”